Os últimos Avá-Canoeiros
Um grupo com seis remanescentes. É tudo o que
sobrou da nação indígena que ocupava o Estado de Goiás quando o homem-branco
chegou ao Brasil há 500 anos
André Barreto, de Minaçu (GO)
Num
ponto de difícil acesso no norte de Goiás, a 700 quilômetros de Brasília, uma
família com seis integrantes resiste como últimos representantes da nação
indígena Avá-canoeiro. Os índios desta tribo conseguiram escapar do destino de
outros 900 povos nativos, que sumiram do mapa brasileiro nos últimos cinco
séculos. A matriarca Matcha, 65 anos, sua irmã Naquatcha, 60, a filha Tuia, 30,
o único homem da tribo, Iawí, 40, e as duas crianças Trumak, 14, e Potdjawa,
11, são os remanescentes de um massacre ocorrido em 1969, que dizimou 150
índios. Na ocasião, Matcha estava grávida de Tuia e fugiu com Naquatcha e Iawí.
Durante 12 anos, os três viveram em cavernas e comeram morcegos para
sobreviver. Passaram a viver como nômades para escapar dos ataques do homem branco
até aceitarem viver sob a tutela da Fundação Nacional do Índio (Funai), em
1981, quando a instalação das obras da Hidrelétrica da Serra da Mesa lhes tirou
definitivamente o hábitat -- as cavernas foram alagadas pela represa.
Mesmo
assim, a pureza do sangue e as tradições da tribo Avá-canoeiro estão condenadas
à extinção. Ocorre que a cultura desses indígenas proíbe o incesto e, com um
homem para apenas uma mulher em idade fértil, toda a nova geração seria
constituída por irmãos. E, dessa forma, eles não poderiam manter relações
sexuais entre si. O problema é insolúvel porque os Avá-canoeiros também se
recusam a conviver com outras tribos. “Os Tapirapé foram reduzidos a 20 índios
nos anos 50 e hoje são mais de 500 a caminho da sua autonomia”, diz o indigenista
Walter Sanches, 54 anos, chefe do posto da Funai na região. “Os Juma da
Amazônia são quatro, mas já estão se casando com índios de outras tribos, não
há mais o que fazer”, conclui o representante da Funai.
TRABALHO DE ÍNDIO Sob o amparo da Funai e os cuidados de Sanches, os
Avá-canoeiros vivem numa reserva de 38 mil hectares perto de Minaçu (GO). Na
aldeia improvisada há 19 anos, a tribo cresceu. Tuia, que nasceu nas cavernas,
teve as duas crianças. Iawí, o pai delas, é também o marido das três mulheres.
Apesar de Matcha exercer o papel de líder do grupo, é Iawí quem caça, planta e
realiza as tarefas domésticas. Como manda-chuva do grupo, Matcha determinou o
nascimento das duas crianças para preservar a etnia.
Na
aldeia, cada habitante tem sua atribuição. As crianças ajudam Iawí a plantar e
fazer a colheita. Naquatcha ganhou uma máquina de costura da Funai e cuida da
confecção das roupas. Mas Tuia gosta mesmo é de namorar. Como costuma sair às
escondidas com Iawí, e as outras mulheres da tribo não são indiferentes ao
ciúme, a própria Matcha parou de se preocupar com a perpetuação da tribo.
Decidiu proibir o surgimento de mais bebês. “Pra que mais criança? Criança só
atrapalha”, argumenta.
A
família produz parte do que consome. Em média, 1,8 tonelada de arroz, uma
tonelada de milho, feijão, abóbora e mandioca por safra. Plantam frutas como
mamão, limão e maracujá para se alimentarem em períodos de entressafra. Da
Funai, eles ganham sal, óleo de soja, açúcar e carne bovina. Também remédios,
pilhas para o rádio da casa e outros artefatos, como tecidos.
Quando
assumiu o posto em Minaçu, Walter Sanches encontrou os Avá-canoeiros numa
situação caótica. A hidrelétrica de Furnas estava em plena construção e a Funai
decidiu mantê-los perto do acampamento dos funcionários da obra. Estariam mais
seguros. Foi um grave erro. Com o contato os índios aprenderam a fumar e a
tomar bebidas alcóolicas. Trocavam a caça para saciar seus vícios. As mulheres
serviam de entretenimento sexual para os “homens brancos”, com o consentimento
do único índio da tribo. Por isso, até seis anos atrás, a índia Tuia acreditava
que deveria se oferecer como fêmea a todos os homens que fossem visitar sua
aldeia.
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