terça-feira, 17 de novembro de 2009

O estilingue que ganhei do meu primo

Naquele tempo, todo moleque que se prezava possuía um canivete, um estilingue, uma capanga para munição, um bom pião e um monte de cordão no bolso. Terminado o horário da escola,... eu já saia de fininho, escondido da minha mãe, para a principal aventura do restante do dia com a turma: a caçada de passarinho... Sempre fui bom no estilingue... naquele dia eu estava ansioso para batizar minha arma preferida e colocar o primeiro pique numa das laterais da forquilha. O antigo tinha vinte e oito piques de canivete... O alvo eram as juritis e as inhambus da tapera do Alcides, perto do lajeado. Mas,... no percurso, um calango. Pronto! Está aprovada a perigosa máquina atiradora,... mais adiante, dois anus brancos... Não. Não vou arriscar um tiro de brincadeira. Anu é passarinho feiticeiro... Na galha de baixo da gameleira... um João Bobo. Não, não mato João Bobo por dois motivos: primeiro porque é covardia, pois o danadinho deixa a gente chegar tão perto que quase dá para pegar com a mão; segundo, parece que ele benze o atirador, que fica igual a bobo atirando sem acertar... Na frente da casa da tapera, um bando de rolinhas... Rolinha também eu não mato. Minha mãe ensinou que no tempo que Nossa Senhora e São José fugiram para proteger o Menino Jesus, as rolinhas vinham atrás deles desmanchando os rastos para despistar os soldados perseguidores. Logo, o dedo-duro cantou lá no alto de um angico. – Bem-ti-vi! Bem-ti-vi! - Esse aí eu sapeco. Diz também minha mãe que enquanto as rolinhas ajudavam a Sagrada Família a ir embora, esse aí ficava o tempo todo dedurando... Deu pressa de voltar para casa. Três juritis e duas inhambus... pensei logo em agradar minha mãe. A carne da janta estava garantida. A velha era só alegria.
A turma encontrava-se no largo da igreja. Uns brincando de finca, outros jogando biloca,... Era só chegar até a esquina e gritar. “Ôôôôôôiê. E a turma entendia na hora: era para tomar banho no rio. E lá íamos escondidos dos nossos pais... Lá escurecendo, era chegada a hora de amarrar as vassouras-curraleiras e as pontas de capim, para ver a velharada cair ao chão. Não havia rua capinada e muito menos patrolada. Era tudo mato... Não havia nenhum automóvel circulando. Assim, o povo locomovia-se a pé, em trilheiros... Os meninos mais encapetados é que tinham coragem para essas coisas. Eu ficava de longe espiando, escondido na moita junto com os outros. A gente ria baixinho, pois senão...
O pequeno arraial possuía poucas casas. E as existentes eram erguidas com paredes de adobe... Uma das malvadezas da molecada, à noite, era sapatear sobre os adobes feitos durante todo o dia... Gostávamos de fabricar nossos próprios tijolos de barro cru. Usávamos forma de caixa de fósforo e com eles construíamos pequenas casas, formando cidades com ruas e praças...
Sabíamos da vida de todo mundo da vila. Trepados na copa frondosa das árvores do Largo, noite escura, bem quietinhos, dávamos notícia de tudo que se passava: quem namorava quem, mulher de qual corno estava traindo o marido... No outro dia os nomes das infelizes rolavam de boca em boca, na escola, entre a gurizada.
Hoje me recordo que quando minha mãe me batia – e isso ocorria quase que diariamente – eu costumava resmungar sozinho, lamentando a dura vida de criança. – Um dia vou ficar grande! Ah se vou! E aí não vou ser preciso de apanhar mais não. De jeito nenhum. Engraçado! Agora, adulto, tenho saudades daquele tempo. Fonte: "O Sino da Igreja" Livro do escritor Elson Gonçalves de Oliveira.

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