sábado, 23 de março de 2013

O valentão aparecido

O conto está no livro do escritor Elson Gonçalves de Oliveira, conto vem de uma história real acontecida no povoado que mais tarde tornou-se na cidade de São Miguel do Passa Quatro. A história do aparecido, um homem valentão, virou na época do acontecimento uma moda de viola de autoria do saudoso Joaquim Tavares de Aleluia. 
Leia na íntegra o conto.

Lugar pequeno, longe do progresso, nem luz elétrica tinha. Polícia também não. Havia muita gente boa, mas grande parte possuía índole má. Cada esquina, um boteco. Finais de semana, os vizinhos das fazendas vinham, sem falta. Chegavam a cavalo e visitavam todas as vendas. Apenas dois eram os objetivos das visitas: beber pinga e arranjar confusão. Muita briga e nenhuma autoridade.
Terra de gente destemida, que não se acovardava com nada. “A gente acostuma”, diziam os moradores, reproduzindo, mesmo que de maneira inconsciente, pensamento dos filósofos da antiguidade segundo os quais “O homem é produto do meio”. Essa, a única explicação para a vida ter sido vivida ali. O indivíduo se acostuma com tudo, até com o que não presta. Porém, os que tinham a cabeça no lugar advertiam: “Encrenca atrai encrenca!”
Certa feita, apareceu por lá um sujeito estranho, amedrontando a população. Chegou cedo, ali por volta do meio-dia. Ninguém sabia de onde viera, seu nome, sua procedência ou qualquer outro tipo de informação a seu respeito. Apareceu de repente. Na boca do povo era o valentão. E o valentão ganhou o nome de Aparecido.
Desceu a rua no seu cavalo castanho, visitando boteco por boteco. Era meio de semana, por isso tinha pouca gente na corrutela. Na primeira parada, onde papeavam o vendeiro e uma meia dúzia de fregueses, ele chegou, proibiu a saída de todos os presentes e mandou encher seis copos taludos de cachaça até as beiradas. Mexeu a aguardente com o cabo do chicote e determinou que cada qual bebesse o seu.
— Eu não posso beber, tou proibido pelo médico – protestou o primeiro da fila.
— Se não beber tudinho, morre! – sentenciou o sr. Aparecido.
Todos beberam, sem reclamar, pois ninguém queria morrer. E o valentão saiu em seguida, sem perguntar o preço das copadas de pinga. O vendeiro também, por sua vez, não disse nada, que não era besta.
No próximo boteco, onde também tinha pouca gente, o procedimento foi outro: chegou, falou grosso, mandando todo mundo permanecer quieto, pediu uma gilete e um espelho, espojou no balcão e pôs-se a fazer a barba a seco, sem sabão e sem ao menos um copo d’água. De vez em quando, cuspia na lâmina. Lágrimas escorriam, mas ele queria impressionar.
Nisso a população já tinha sido informada das travessuras do Aparecido. Iniciavam-se as conversações com vistas à formação do grupo de elite que devia ajustar as contas com o forasteiro.
Na próxima venda, além do proprietário, havia umas dez pessoas, incluindo dois amigos que conversavam amigavelmente, sentados em volta de uma mesa.
— Todo mundo pra fora! – ordenou.
Ninguém desobedeceu, menos os dois amigos que, do jeito que estavam, permaneceram. O valentão sorriu, aproximou-se, segurou o queixo de um deles com a mão esquerda e mandou a direita de cima para baixo, atolando o quanto pôde o chapéu na sua cabeça. E disse-lhes, com sorriso sarcástico:
— Pois então fiquem, mas fiquem quietinhos aí, sentados, ouviram, idiotas!
Para encurtar o caso, logo adiante, no próximo boteco, a história foi diferente. Beirava umas nove horas. A escuridão tomava conta da noite. O grupo de repressão já se achava na espreita, aguardando o melhor momento para o ataque.
Quando o brutamonte reinava absoluto, os justiceiros derrubaram a porta de entrada da venda e o abafaram. Não houve tempo para reação. E o homem apanhou feito cachorro na despensa: socos, pontapés, empurrões... O linchamento só foi interrompido com a chegada de pessoas influentes do lugar, que não permitiram a atrocidade. Graças à interferência dessa gente, Aparecido foi colocado em cima do arreio e conduzido em seu cavalo para fora da cidade, livrando-se de morte certa.
O curioso foi que com o valentão não foi encontrada nenhuma arma. Apenas o chicote. Por isso, lamentavam os que foram humilhados: “Ah, se a gente soubesse disso!”
Autor: Elson Gonçalves

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